Derrube a Branquitude de seu Palco Narcísico.

Semana passada eu tive que presenciar, não pela primeira, a segunda ou a terceira vez um líder de empresa de tecnologia destilando racismo na minha frente. Dessa vez eu respondi. Não vou contar detalhes do episódio específico, vou contar uma situação anterior que teve a mesma natureza.

O ator à época era um chefe da seguranca. Foi na primeira reunião com as lideranças do escritório sobre os impactos da covid-19, e como a empresa estava lidando com a pandemia que ainda estava no seu começo. Na situacao o chefe da segurança, que com sua fala demonstrou seu talento para capataz, protetor de patromino de playboy, soltou a pérola: brasileiro não cuida da saúde. Assim, na lata...

Um branco falando merda.

Me impressionou a tranquilidade dele em falar uma merda desse tamanho, sem medo nenhum de ser interpelado. Além disso, o capataz - mesmo estando dentro de uma empresa que presava por tomar decisoes baseada em dados e fatos -  não se deu nem o trabalho apresentar evidencia concreta, referência bibliográfica ou qualquer materialidade da afirmação: a branquitude tem esse poder de afirmar. Na situação, o representante da casa-grande só destilou seu racismo assim, direto, sem meias palavras. Violentamente.

Mas o que me deixou mesmo abismado, além da coragem do senhorzinho de falar tamanha merda numa sala cheia de brasileiros, foi que NINGUÉM falou nada!! Nem mesmo eu que estava ali me segurando pra não mandar o branquinho pra onde ele merecia.

Obviamente, ninguém reagiu pq as pessoas que ali estavam não se acham tãaaao brasileiras assim, né? Estamos falando de empresas de tecnologia, setor que é sabido - com números (we have the data!) - ser liderado por pessoas brancas. Então qualquer reuniao de liderança quer dizer 90% de pessoas brancas falando entre elas. Uma realidade completamente diferente de qualquer outro recorte social.

Ah, e outra coisa que é preciso deixar claro é que o silêncio não era de medo ou receio. Não! As pessoas da reunião não ficaram caladas por medo de serem punidas pelo chefe da segurança. Todo mundo que ali estava eram organizacionalmente muito mais "poderosas" que ele, ou em termos de cargo, prestigio ou status corporativo. Para mim só existem 2 explicacoes: elas não reagiram pq se acham diferentes dos outros brasileiros, i.e. são um grupo apartado, ou pq não acham relevante o ataque realizado por ele.

O que, pra mim, dá no mesmo! "A compreensão superficial de pessoas de boa vontade é mais frustrante do que a incompreensão completa de pessoa de má vontade. A aceitação morna é muito mais atordoante do que a rejeição total.", MLK em uma carta de birmingham

A verdade é que para essa gente, quando se fala "brasileiro" está-se falando dos "outros", pq raça é coisa que a branquitude atribui aos "outros". Exceto, obviamente, quando eles percebem a possibilidade de lucrar com isso. Aí eles querem sua cidadania européia, querem serem reconhecidos como netos dos avós brancos deles, querem receber as terras e as beneces que o estado brasileiro deu e tem dado a eles. Contudo, eles nunca querem lidar com o peso histórico da violência sistêmica perpretada pela raça deles, nem fazem nada realmente concreto para contê-la. Sentem-se muito confortaveis como beneficiarios dos lucros dessa violência.

Ao silencio, à falta de crítica, nos espacos embranquecidos dá-se o nome pacto nacisico da branquitude

É isso, não tem muito mais pra se falar: é narcisismo, supremacia e tudo que se tem de ruim na sociedade ocidental. Mas isso é avaliação minha. Eu quero falar do que isso significa.

As consequências concretas desse pacto são (i) a morte dos "outros" - afinal de contas se um "chefe de seguranca" pensa assim, imagina o que os seus subordinados fazem nas catracas de entrada na empresa, para utilizar uma implicação muito simples e direta - e (ii) uma  constante dissonacia cognitiva da branquitude que está sempre fantasiando, e desviando das suas responsabilidades, sempre em favor de um discurso muito moderado, de uma paz discursiva, uma performance, um teatro. Os representantes da branquitude tem uma mania muito conveniente de nunca fazem uma analise honesta, completa e concreta dos seus métodos, que tendem a serem avaliados por eles mesmos de maneira muito benigna.
Uma branca com medo.

Pois é, mas o detalhe é que quando aperta o cinto, quando a corda quebra, quando os modelos e métodos deles resultam em tragédia; quando eles falham; ou apenas quando se sentem acuados, com medo, inseguros e incapazes de para lidar com a dura realidade de um país fundado na violência, na colonização, eles destilam seu o racismo para culpar o povo, o brasileiro: esse ser flúido, pardo, que se pode colocar em qualquer lugar social! E fazem isso sem a minima vergonha pq estão protegidos por um pacto narcísico. Naquele momento, ele estava entre iguais.

Tão entre iguais, que ele só viu o microfone e decidiu falar. Ninguém havia perguntado a opinião dele, pedido qualquer avaliação sobre a saúde dos brasileiros, ou coisa assim. Ele se sentiu empoderado para abrir microfone (em uma reuniao de +10 lideres), subir no palco e falar pro "povo dele" com todas as palavras: essa gentinha aqui vai/tá fazer/fazendo a situação ficar pior.

Acho que a gente - que é alvo, que é mais povo, que é mais preto, que é fudido e que não se interessa em não sê-lo, que não tem ou quer herança escravista pra se beneficiar, que vive da própria capacidade e não da extração de mais-valia dos mais fudidos, que se recusa a viver de herança, que não é herdeiro, que não é mediocre esperador de herança, que se reconhece negro - precisa elevar o palco.

O palco pra esse pessoal tá muito baixo, eles sobem fácil e não tem ninguém pra jogar eles la de cima. O palco tem que ser alto, muito alto, e temos que jogar essa branquitude violenta e racista lá de cima.

Mostrar como é limitada, violenta e covarde a oligarquia branca que domina esse mundo colonizado.

Para entender melhor a "Patologia social do branco brasileiro" leia Guerreiro Ramos: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/247547/mod_resource/content/1/guerreiro_patologia.pdf

Para entender melhor a negritude brasileira, leia Neusa Santos Souza "Tornar-se Negro". https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/1154/o/Neusa_Santos_Souza_-_Tornar-se_Negro.pdf?1599239573

Tudo de graça na net. Pq vcs não lê?

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